segunda-feira, 16 de maio de 2011

presente divino

Quando o Roger voltava pra casa, caminhando e assoviando, foi abordado por uma senhora. Ela encostou a caminhonete importada, baixou o vidro e fez o convite, num tom sedutor:
- Oi. Quer dar uma volta?
A reação de qualquer homem numa situação dessas é imprevisível, diante do ineditismo. As pernas dele tremeram, o coração disparou, a mão ficou suada. Aproximou-se para verificar o que havia de errado com a mulher. Aproximou-se e ela foi ficando cada vez mais linda. Pôs a cabeça quase dentro do automóvel que cheirava a novo. Deparou-se com uma mulher com aproximadamente quarenta anos, loira, seios siliconados, jeitosamente cobertos por um vestido preto decotado. O vestido não cobria os joelhos, muuuuito pelo contrário. Parecia um cinto largo, que mal cobria a calcinha. As coxas bronzeadas reluziam. Bronzeamento artificial tem seus méritos no inverno gaúcho. O bronzeado só não reluzia mais do que as jóias caras que decoravam aquele belo exemplar do sexo oposto. Na mão esquerda, uma também reluzente aliança denunciando o matrimônio. Definitivamente não tratava-se de um travesti.
Foram menos de trinta segundos, que forçaram uma resposta imediata por parte do acuado rapaz, e da insistência da loira:
- Vamos ou não vamos?
Roger precisava de mais tempo. Não para decidir, e sim para acreditar. Então, agiu feito um idiota ganhando tempo:
- Eu?
Claro que era, besta!. Não havia mais ninguém ali, as três da matina. Estava agindo feito um covarde. Pensou que poderia ser um assalto, mas logo pensou que nem sangrando teria mais do que dez reais na carteira e mais do que trinta pila do cheque especial no banco. Afastou a possibilidade de assalto ou seqüestro relâmpago. Correu o olho pelo banco traseiro, receoso de que houvesse um homem que pudesse judiá-lo. Não havia. Pensou em olhar para cima e ter um lero-lero com o Cara aquele. Que dádiva divina era aquela! Seria uma tentativa desesperada de Deus para que ele fizesse a primeira comunhão? Depois perguntou:
- Volta onde?
- Para o meu apartamento. Quero sexo. Sexo casual! - frisou.
Era uma pegadinha. Aguardou pela chegada do Ivolanda ou do Malandro. Imaginou-se na televisão, servindo de piada a todo Brasil. Cadê a Van com as câmeras? Ué, não havia nenhum carro na rua. Algo estava, estranhamente, muito perfeito para ser verdade. Sempre pediu para que isso acontecesse. Sempre desejou o improvável, e o improvável estava acontecendo. Sexo fácil, objetivo, sem nomes, derrubando regras, mitigando barreiras.
Pensou que poderia agir com maturidade e com a grandeza de um homem correto, que segue uma linha correta da família e dos princípios morais, negando a carona e o sexo com a coroa gostosa. Não precisava disso, não teria graça. Mas, logo percebeu que seu pensamento era falso como uma nota de trinta reais, já que não seguia linha correta coisa nenhuma, sequer tinha princípios, meios e fins. Jamais negaria a carona.
- Você é casada?
- Importa? - incomodou-se ela.
Era sexo casual, o mesmo que fizera tantas vezes com moças que ofereceu carona. A diferença, dessa vez, era que o objeto havia mudado de gênero. Iria aceitar e entregar-se àquela mulher cheirosa, cujo cheiro teimava em sair pela janela, aquecido pelo ar condicionado. Quando preparou-se para dizer sim, surge um outro rapaz na esquina a frente. Passos firmes, mais alto, mais arrumado, menos barrigudo. A mulher não se despediu do objeto. Engatou a primeira e em dois segundos abordou o outro rapaz, que apagou o cigarro que fumava e entrou decididamente no carro importado que logo desaparecia no horizonte.
Desde então Roger anda cabisbaixo. Encontro com ele de quando em vez, indo e vindo do psicólogo. Depois disso, somente deseja aquilo que está preparado o suficiente para fazer.








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