sexta-feira, 16 de março de 2012

o congestionamento

- Baixa o vidro! - grita o Roger no meio do trânsito quando o sinal fechou.
- Hum?! - grunhiu a moça do carro importado.
- Baixa o vidro moça...
Ela riu. Não iria baixar o vidro com toda essa violência e onda de assaltos que havia tomado a cidade. Relutou, mesmo mediante a insistência para que ele baixasse o vidro. Porém, pensou que poderia ser algum defeito no auto. Apertou o botão e o vidro do carona foi descendo lentamente.
- Ah, ainda bem que você baixou o vidro... O sinal demora a ficar verde aqui. - disse ele.
Ela riu, e foi subindo o vidro.
- Não! Não faça isso. To carente!
Compadecida, tirou o dedo do botão. O vidro parou exatamente na metade. Metade aberto, na visão otimista do Roger.
- Levanta a mão, moça!
Ela riu a abanou com a mão direita.
- A outra mão agora! - disse ele.
Ela riu, balançou a cabeça, engatou a primeira e partiu, já que o sinal estava verde. Mas, ele conhecia o trânsito naquela longa avenida. Sabia que haveria outros semáforos e que haveria muito trânsito pela frente. Sabia que a velocidade regulamentada era de cinqüenta por hora, e que havia uma fiscalização severa e onipresente durante toda a avenida. Encontraram-se no outro semáforo:
- A mão esquerda, moça! Por favor?
Ela ajeitou no cabelo com a mão canhota.
- Solteira! Graças a Deus! - berrou ele, talvez cansado de encontrar mulheres casadas no trânsito.
Ela riu. O sorriso é a porta de entrada do aprouch. O vidro entreaberto pela metade representava a percentagem de chances. Procurou um novo dispositivo via bluettoth através do seu celular. Naquela altura do trânsito só havia um telefone celular com o bluettoth acionado. Arriscou. Via bluettoth do telefone celular enviou uma música, que dizia assim:

"Ligo o rádio do meu carro e pego a estrada
nem sei pra onde eu vou
ponho os óculos escuros
e deixo a mente apertar o acelerador"

Ela sorriu ao receber a mensagem. Logo percebeu que a mensagem vinha do rapaz do Sedan ao lado. Aceitou e foi escutando durante o trajeto. Um carro ao lado do outro. Sem infringir a lei, dentro da velocidade que os engenheiros de tráfego calcularam. Longínquos quilômetros que estavam acabando. Ele ainda tentou gesticulando e gritando:
- Encosta! Encosta e vamos beber algo.
Ela riu, mas recusou a proposta. Jamais encostaria para um rapaz num carro tipo Sedan. Ainda se fosse um 207, ou qualquer outro modelo francês, ainda vá lá. Mulheres adoram a França, Paris e tudo que deles vem. Principalmente os champanhes e, ultimamente, os automóveis. Despediu-se com um sorriso, como se agradecesse a canção. Tomou a frente. Ainda seguiram-se por alguns minutos, mas ela distanciou depois que um caminhão ficou entre os dois carros. Nunca mais se viram.
***
Eles não sabem, mas o destino os colocou ali de propósito. Caso a moça aceitasse o convite prum chopp, teria casado, e encontrado o homem da sua vida. Um príncipe encantado montado num Sedan quatro portas. Como não parou, continua solteira, triste e andando em carros importados por aí, num vaziozão sem tamanho. Sempre que ela para num semáforo, olha para os lados a procura de alguém que anime a sua volta do trabalho. Mas, o Sr. Destino anda chateado com as pessoas que ele tenta, casualmente, aproximar. As pessoas andam com pressa, com medo. Algumas pessoas passam uma vida inteira clamando a visita do Sr. Destino, mas quando ele se aproxima e manda alguém, elas aceleram, atendem o celular, fixam os olhos no computador, não olham nos olhos, não cumprimentam as pessoas no elevador, no congestionamento, não se deixam viver. Ele casou com outra moça, ela continua solteira.

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