terça-feira, 5 de julho de 2011

diálogos modernos

As vezes faço um exercício. Um exercício de me imaginar no passado. Na época em que não havia telefone celular e internet. Não é uma época tão distante, mas essas ferramentas são tão influentes e intensas atualmente em nossas vidas que nem percebemos que a tecnologia atropela o tempo. Essa modernidade deu início a novos problemas, novos conflitos, sobretudo em pessoas menos seguras de si:
Antes, os traidores mal intencionados que namoravam saiam da casa da namorada ou namorado e ouviam a seguinte recomendação:
- Amor, me liga quando chegar em casa.
Daí o cidadão tinha que atravessar a cidade, ir para casa, ligar para a(o) namorada(o), falar coisas fúteis, do tipo ‘chegou bem?‘ ou românticas tal qual ‘sonha comigo‘, para só depois tornar-se um traidor livre e sair noite afora. Embora a(o) namorada(o) pudesse ligar para o telefone fixo na madrugada, seria improvável que o desconfiado quisesse acordar a todos na residência, num gesto deselegante. Então, um cara esperto criou o telefone móvel. Então, os traidores poderiam ficar encurralados, já que poderiam ser encontrados em qualquer lugar. Lembram da piada do português que atendeu o telefone celular no motel e ficou indignado com a esposa, que o encontrava sempre que estava com a amante? Bem, a piada já teve graça na época dos tijolões das Motorola. Porém, os traidores que queriam a liberdade, buscavam um lugar calmo, quieto, para falar as mesmas baboseiras que os enamorados falam, para só então, rumarem em direção a sem-vergonhice. Já ouvi falar de um puteiro com uma sala a prova de som, para os traidores ligarem para casa e comunicarem a esposa que já estão indo dormir com os anjinhos, quando na verdade as diabinhas o esperam do lado de fora da cabine.
Bastou que um problema se resolvesse, para outro surgir, com mais força:
- Amorzinho, quando chegar em casa, entra no MSN.
Então o indivíduo, após horas de trabalho, horas de estudo, depois de fazer sala na casa da namorada, conversando com a sogra, assistindo a novela das onze, que termina tarde demais, sem tomar uma cervejinha, sem flertar com mais ninguém, sem nada de interessante, tinha que chegar em casa, conectar no MSN, pra dizer algo do tipo ‘oi’, ‘cheguei bem’. Só depois de desligar o computador que ganhavam a liberdade.
Daí algum ilustre cidadão emérito fez com que fosse possível conectar ao MSN pelo celular. Só então, os sem escrúpulos tiveram a liberdade móvel que sempre sonharam. Poderiam conectar no MSN, Skype ou qualquer outro meio de conversas instantâneas de qualquer lugar, até mesmo de uma balada. Porém, quando imaginaram que teriam a tão sonhada liberdade, quando acharam que fariam aquilo que lhes dessem vontade, mulheres e homens mudaram, ficaram carentes. E tornaram-se dependentes do MSN, dependentes da conectividade ininterrupta desses programas.
Agora, é necessário conectar no MSN e permanecer conectado. Tem que ter vontade de teclar por horas a fio, falando qualquer coisa. São as pessoas carentes de atenção que acham normal ficar conectado e teclando por horas. Chamam a atenção, ficam magoadas se você não responde, querem respostar compridas, orações com verbos, pronomes, advérbios e adjetivos. E por bastante tempo. E não basta ficar conectado, tem de responder, conversar. E não basta querer dormir, tem que conectar, mesmo que não haja assunto. É possível que alguma metade peça a imagem da webcam para ver a outra metade da laranja pegar no sono.
- Oiiiiiieeeeee. Tudo beeeeem? - perguntam alegremente, percebe-se pelas vogais.
Porém, as opções de respostas são perigosas, e na visão feminina já determinam como você está naquele dia:
1) - Estou bem e tu? - significa que você está disposto, alegre. Logo, você teclará por muitas horas ainda, a não ser que a conexão fique com problemas. Dica: alegue problemas na conexão e, se possível, processe o provedor.
2) - To bem e tu? - a utilização do ‘to’ ao invés do estou não quer dizer muita coisa, mas só o fato de abreviar palavras ao economizar duas letras significa que você está menos alegre do que na opção anterior. Dica: arranque algumas tecla do teclado e queime-as.
3) - Bem e tu? - agora, na visão feminina, o homem já demonstra mau humor, pouca vontade de conversar e indisposição com a relação. Dica: desde o princípio da relação utilize esse linguajar.
4) To e tu? - imaginam elas que a relação está indo por água abaixo, próxima do derradeiro final. Dica: Vá em Barra de Ferramentas, Painel de Controle, Excluir programas, Excluir Messenger.
5) To. - acredito eu que corresponda a uma traição na visão feminina. Jamais faça isso, pois você pode não ser perdoado. Dica: fique solteiro se não quiser teclar.
Enfim, a tecnologia que encurta as distâncias, nos torna cada vez mais dependentes. É um ciclo que se fecha sufocantemente, pois a tecnologia nos persegue, pois as vezes apenas não queremos teclar.



Certa vez escrevi sobre as risadas de MSN. Excluí o texto quando achei esse vídeo na internet.

2 comentários:

  1. O Roger como sempre me fazendo rir.... escreva mais ;)

    ResponderExcluir
  2. Título original do texto: "Identificando as ferramentas de comunicação como seres malévolos às práticas de sociabilidade não-monogâmicas - uma análise antropolótica contemporânea".
    P.S.: O Roger eu não sei, mas o Jaison ri igualzinho ao msn: "he-he-he".

    ResponderExcluir