terça-feira, 13 de julho de 2010

a esposa do presidiário

Roger utilizava um coletivo para ir ao trabalho. Todos os dias, fielmente. Nunca colocara um atestado. Tirava férias tão somente porque a legislação o obrigava. Era vendedor e vendia o máximo que podia. Fazia hora extra. Precisava de dinheiro, não poderia perder o emprego e as comissões sobre as vendas que o cargo oportunizava.
Estava pagando um financiamento da casa onde morava. Morava com a família. Família pequena, bem verdade. A esposa, com quem casara aos 21 anos; o filho, único e concebido somente na lua de mel; e a sogra, uma senhora religiosa e habilidosa na confecção dos doces caseiros que o engordavam dia após dia.
Vivia sua vida monótona. Era fiel a sua esposa e ao seu time do coração. Fanático por futebol. Adorava os domingos e as quartas-feiras, onde via jogos pela televisão. Canal aberto, pois não tinha dinheiro para pagar TV a cabo. Freqüentava com a família uma igreja evangélica de nome composto, dessas que proliferam-se por aí. Ali deixava parte do salário. Com o salário mantinha a família. A sogra recebia uma pensão do INSS, que mal cobria os preços dos remédios. A esposa era dona de casa, não trabalhava. O filho, estudava em escola pública. Vida pacata a do Roger. Mas, ele não reclamava, pois acreditava que o Senhor sabia o que estava fazendo.
Moravam num distrito industrial, um tanto quanto afastado do centro da cidade. No ônibus, que utilizava para ir ao trabalho, não havia catracas, e o cobrador andava com uma maquineta portátil, semelhante a essas dos cartões de crédito. Ele sentava sempre no mesmo lugar. Acostumando com o balanceio do coletivo, dormia tão logo o cobrador recebia o canhoto do tíquete da passagem fornecida pela empresa. Até que um dia acordou, com o perfume de uma bela senhora. Observou a bela morena, que usava um perfume importado, desses que as senhoras buscam nos freeshops da fronteira com o Uruguai. Gostava do cheiro, mas ficava incomodado, pois não conseguia dormir. Não estava acostumado, definitivamente. Sua esposa não usava tais especiarias, era uma moça simples, humilde, e com um cheiro na pele que lhe bastava. Além disso, a senhora perfumada era linda e isso confundia seus pensamentos.
Dois dias depois, a mesma coisa. Acordou com aquele cheiro. Olhou pro lado, e a senhora morena com uma jaqueta de couro avermelhada estava ao seu lado, novamente. E assim se passaram os dias. Toda terça e toda quinta quando Roger voltava para casa, a senhora estava lá, embarcando em frente ao presídio, e ajeitando-se ao lado dele. Acostumou com a companhia e não dormira mais nesses dias. Fechava os olhos, contava o número de paradas e esperava pelo cheiro, que o inebriava cada vez mais. Sentira o cheiro do perfume assim que ela colocava o pé no degrau do ônibus. Na igreja, com as mãos erguidas e espalmadas, pedia ao Senhor para que esquecesse aquela fragrância. Com o décimo terceiro salário, foi numa loja, comprar um perfume para a esposa, que aniversariava em naquele mês. Não sabia se comprava o mesmo perfume da esposa do preso, no qual estava viciado, ou se comprava um perfume completamente diferente, para desintoxicar.
- Oi. Posso te fazer uma pergunta?
- Claro. - disse a perfumada, que acabara de se ajeitar no banco.
- Qual perfume você usa? - perguntou um tanto quanto envergonhado.
Comprou um idêntico. A esposa adorou. Usava sempre. O tal perfume melhorou até a vida sexual do casal, embora ele fantasiasse a mulher do preso na cama, ao invés da esposinha recatada. Passou a fazer sexo com a esposa com mais frequência, já que o cheiro não saía das suas narinas.
- Oi. Posso fazer uma pergunta?
- Claro. - respondeu sorrindo a perfumada.
- Quem você visita na cadeia?
- Meu esposo.
- Hum... Imaginei.
E assim passaram-se os meses. Quase dois anos de convivência diária. Lado a lado nas poltronas dos coletivos. Aquela senhora, aquele perfume, aquele encostar de coxas o deixaram imensamente mais feliz. Nenhum diálogo a mais. Nada além disso. Algumas pessoas se satisfazem assim, nem todos são iguais. Roger rezava para que chegassem as terças e quintas. Passou a gostar mais da terças e quintas nos ônibus do que das quartas e domingos de futebol na televisão.
Até que uma terça ela não embarcou. Era uma terça-feira. Não sentiu o perfume. Arregalou os olhos. Olhou pela janela. Levantou, olhou pela outra janela. E gritou, desesperado!
- Espera!
O motorista parou. O cobrador o fitou e perguntou:
- O senhor vai descer?
- Não. É que... Eu achei que tivesse alguém correndo em direção ao ônibus.
O ônibus seguiu seu caminho. Roger também. Nunca mais a viu. Pediu para que a esposa nunca mais usasse aquele perfume.
- Joga fora!
- Mas...
- Joga fora! Pelo amor do Senhor, joga fora!
Passou a criticar as leis desse país, brandas demais para quem comete crimes. Por bom comportamento, o marido da senhora perfumada teve um livramento condicional e, a partir de então, cumpriria a pena no regime semi-aberto. Era o fim das visitas, foi o fim das fantasias com o aroma da esposa do presidiário.

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