terça-feira, 22 de março de 2011

a podólatra

O mundo moderno pode ser dividido entre antes das fotos digitais e depois das fotos digitais. Os sites de relacionamento só existem devidos digitalização de imagens. Imagina o cara tirando uma foto num ponto turístico do Rio de Janeiro, no Cristo, por exemplo. Meses depois, após voltar pra casa, o cidadão resolve revelar as fotos. Porém, ainda falta muito para a imagem parar na internet. Ainda faltaria a digitalização. Num scanner talvez.
Impossível imaginar algo demorado assim dar certo hoje em dia, nesse mundo agitado e dinâmico que vivemos. Zuckerberg não seria um bilionário.
Assim como as imagens mudaram o mundo moderno, vídeos de tudo e de todos fazendo tudo também mudaram e, principalmente, disseminaram o uso da internet pelo mundo afora. Fazem idéia de quantas pessoas procuram uma lan house para acessar sites de relacionamento? Quantas procuram a internet para utilizar programas de conversação? Nem eu.
Enfim, uma máquina digital nas mãos e podemos transformar o mundo. Ou nossas vidas. Por último, inventaram telefones celulares que tiram fotos e gravam vídeos. E todo mundo tem celular hoje em dia. Até o Roger.
Mais grosso que tornozelo inchado, Roger nunca teve telefone celular. Para que tu tenhas idéia o cara tem uma agenda de telefone de papel. E anda sempre atrás de um telefone público para fazer contato com a mulherada. Excepcionalmente, dias atrás teve que ficar com o celular da empresa. Ordem do chefe. Coincidência, quis o destino que no dia que portava um aparelho que filmava, Roger tinha um encontro. Uma foda, para ser mais específico.
Serelepe, posicionou o telefone na cômoda, aos pés da cama. Preparou a meia luz, preparou o play e esperou a campainha tocar. Quando tocou, não esperou muito na sala, onde não havia câmeras. A levou ao quarto.
Eu não vi o vídeo. Ninguém viu o vídeo. Roger excluiu a gravação na manhã seguinte, quando entregou o aparelho ao chefe. Apenas tinha a curiosidade de se enxergar. Uma espécie de espelho com memória.
O que ele não esperava era o fetiche da moça: ela ajoelhada na cama, de costas para a câmera. Ele deitado recebendo um boquete. De repente ela começa a percorrer com a língua os outros membros inferiores. A virilha, a coxa, o joelho. Dum lado, depois do outro. Lambeu cada naco de perna que havia. Tornozelos, inclusive. E deixou por último os pés. Para que vocês tenham idéia, o cara joga bola, trabalha de carpim o dia inteiro, unha com fungo e a podólatra lambeu tudo. Enfiava a língua no meio dos dedos. De todos os dedos, chupou dedo por dedo. Os onze dedos. Sim, o Roger tem hexadactilia, ou seja, onze dedos no pé, o que deve ser um plus para quem tem esse fetiche. Mordia o garrão do cara. Ele continha o riso. E depois que entregou o aparelho, com o vídeo excluído, se arrependeu de não ter um celular com câmera.

segunda-feira, 21 de março de 2011

nãos

Conto as boas, tenho que contar as ruins também: numa festa, pagodeira rolando, casais formados, outros se formando, restou eu e outra moça, uma moça bem mais ou menos. Parei de bater palminha e balançar os tornozelos e fui até ela:
- Tá todo mundo dançando, só nós parados. Vamos dançar?
- Eu gosto de ficar parada!
Fico abalado nessas situações. Por mais que eu saía, tenho dificuldade de ouvir um não. Principalmente um fora desses. Passei o resto da noite cabisbaixo, medroso, receoso e buscar um novo desafio. Se aquela feia bem mais ou menos me dispensou, o que diriam as mais ajeitadas.
Enfrento as mesmas dificuldade na área profissional. Sou um vendedor, ao menos deveria exercer a arte de vender. No entanto, um não termina com minha auto confiança. Sou um bosta mesmo! Ouvimos não sempre, até quando andamos nas ruas.
Uma vez perguntei para um especialista em trânsito da Secretaria de Trânsito de Pelotas, o porquê as placas de regulamentação utilizadas no município, em sua maioria, são as que dizem para onde você pode ir, e não as que proíbem dizendo onde você não pode ir.




A placa do meio pode ser entendida como obrigatório virar à esquerda ou à direita. Mas, aparece como uma proibição.

A explicação dele, baseada em algum referencial teórico, é que a tendência é de mostrar o que você deve fazer, e não o que você não pode fazer. Teóricos defendem menos proibições. Questão sociológica, talvez.
A moça que não quis dançar comigo dizendo que gosta de ficar parada agiu assim. Implicitamente disse-me um sonoro não. Implicitamente disse-me que eu não era seu tipo. Disse-me que não queria dançar, ao afirmar que adorava ficar parada numa festa. Agiu tal qual os teóricos, evitando nãos por aí.
Adiantou nada, me abalei da mesma forma. Entendem porra nenhuma esses teóricos.

quinta-feira, 17 de março de 2011

um veterano

Todo guri sonha em ser jogador de futebol. Somente após ser reprovado em peneirões amadores que a ficha cai, e passamos a acordar para as mulheres. Isso ocorria - na minha época - lá pelos dezessete anos, aproximadamente. Já as mulheres, acordam bem antes.
Eu, particularmente, fui precoce. Descobri que não jogava nada desde cedo. Outrora comentei que jogo bem sem a bola, tenho visão de jogo, sei me posicionar. O problema é que vez que outra a bola rola em minha direção, e aí não consigo enganar nem a mim mesmo. Nasci com dois pés esquerdos tratando-se de futebol. Daí minha dificuldade de chutar uma bola, enquadrar o corpo. Não driblo um cone!. E meu preparo físico sempre deixou a desejar. Sempre me movimentei bem quando estava parado.
Por vezes pensei em praticar outro esporte. Porém, a vida me foi injusta quando não me deu a altura necessária para jogar vôlei ou basquete. Aliás, sugiro que existam modalidades que limitem as características físicas. O boxe, por exemplo, dividiu por peso. Peso pena, peso pesado, meio ligeiro, peso galo. Por que o vôlei não pode ter uma rede mais baixa para quem tem menos de um metro e oitenta? Com uma rede daquela altura, ou com uma tabela longe do chão, o voleibol e o basquete são esportes que servem para exclusão na nossa sociedade. E o esporte, vangloria-se, é uma porta para a inclusão. Inclusão de quem? De quem é alto? Muito alto? Porta de saída deve ser... Sorte ter me livrado das drogas.
***
Por volta dos meus vinte anos comecei a observar os jogos dos veteranos. Imaginei que teria a oportunidade de relembrar os velhos tempos, onde não fazia feio nas escolinhas de futebol de salão do colégio. Nos veteranos a movimentação é mais lenta, jogam pelos atalhos do campo. Pensei que com trinta e cinco anos, estaria no auge do meu futebol de veterano, e que poderia ser um craque no meio de outros veteranos barrigudos e com reumatismo.
Esses dias fui convidado para jogar um torneio, lá com o pessoal do clube. Joguei de atacante, no ápice dos meus trinta anos. Eles pensaram que eu era rápido e arisco, como um velho ponteiro direito do passado. Fui pro ataque, com a camisa 7 às costas. Até me vi voando em campo, passando fácil por aqueles grisalhos do time adversário. Pela primeira vez pensei que poderia ser o goleador de um campeonato. Seria meu auge futebolístico, até porque, de posse da medalha, não contaria para ninguém que tinha enfrentado senhores aposentados e pensionistas do INSS. Fui marcado por um senhor com quase sessenta anos. Digamos que fui bem marcado. Terá sido um profissional aquele senhor? Não sei dizer. Não fui o goleador do campeonato. Tampouco fui às redes. Percebi que mesmo que mudem as regras, mesmo que baixem a altura da rede de vôlei ou da tabela de basquete, terei sérios problemas enquanto o tema for esporte. Espero que daqui há cinco anos meu preparo físico melhore consideravelmente para que eu possa passar voando por aquele, até lá, setentão que um dia me marcou tão bem.

sábado, 12 de março de 2011

as sandálias

- Sim, eu aceito!
Foi essa frase que mudou a vida do Roger. Depois que disse o temido “sim” em cima do altar,na frente do padre, sabia que daria por encerrada as noitadas e as fanfarras que havia vivido intensamente. Surubas então, jamais. Pensou muito pouco antes de casar, já que sempre que havia pensado, acabava ficando solteiro. Anos solteiro e iria casar com uma mulher que conhecia há poucos dias. Conheceu a esposa num dia, teve dificuldades de chegar aos “finalmentes“, mas no outro dia estava noivo, prometendo casamento. E acabaram marcando a data dias depois, sem muitas delongas. Afinal, era uma mulher bem linda, bastante inteligente, bem humorada, bem sucedida. Diante de tantos ‘bens’, pediu a sua mão em casamento, depois da primeira taça de vinho branco seco, durante um jantar na casa dos pais dela.
Esse momento não foi planejado. O período que seguiu foi difícil. As poucos as pessoas iam recebendo os convites. O seu Facebook recebeu mais acessos que esse blog. Bem, isso não conta. Os amigos riam, debochavam, incrédulos que estavam. Dizem que todos os convidados do Roger exclamam um sonoro “Não a-cre-di-to!”, quando abriam o convite. Era um caso perdido. O casamento seria um milagre. Até que o padre grisalho perguntou se ele aceitava na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza:
- Sim, eu aceito.
Foi o que pensava enquanto levava a sogra de carro ao hospital meses depois. É preciso que se diga que Roger foi fiel na lua de mel. Depois da lua de mel fracassou uma vez. Ficou envergonhado, não conseguiu dormir a noite. Depois caiu em tentação de novo, mas aí dormiu feito um bezerro bem alimentado. Nunca mais perdeu o sono. Nunca mais perdeu uma oportunidade. Nunca mais foi fiel. Tinha sido assim na noite anterior. E agora pela manhã, a mulher viajando a trabalho, o sogro jaz no cemitério e a sogra prestes a morrer no banco traseiro. Mal conseguia manter-se acordado e, bastante embriagado, ainda teria que dirigir até o hospital com a sogra, que a esta altura gemia de dor.
Entre uma ultrapassagem e outra lembrava da negra linda que havia traçado naquela noite. Pensava que tinha que conhecer mais negras, frequentar mais ensaios da General Telles. Foi quando teve de frear bruscamente, para desespero da sogra enferma, que grunhia de dor. Na freada, percebeu que um calçado rolou no assoalho do carro. Olhou embaixo do banco do carona e viu um par de sandálias pretas.
- Putz! - rosnou batendo com a mão na testa.
- O que foi? - perguntou a sogra.
- Nada não sogrinha. Estamos chegando...
A negra exuberante havia esquecido as sandálias, pensou. Disfarçadamente, agachou-se, esticou o braço, catou o par de sandálias e não teve dúvidas. Abriu a janela e jogou na estrada.
- Chegamos! Vou conseguir uma maca pra senhora. - disse o Roger.
Quando voltou com dois enfermeiros e uma maca a sogra perguntou:
- Ô Roger! Tu não viu minhas sandálias? Tenho certeza que vim com elas.