sexta-feira, 17 de setembro de 2010

o bonzinho só se fode

Desisti. Definitivamente desisti de entender as mulheres. Mulheres são confusas, não sabem o que querem. E sei do que estou falando, pois já namorei muitos anos da minha curta vida. E já morei com amigas. Participei de jantas onde só tinham mulheres e nessa época ouvi coisas que nem sob tortura posso comentar aqui. Ouvi mulheres indecisas, mulheres inseguras, mulheres ousadas, do tipo atrevida, mulheres experientes, divorciadas, com filhos, e até mesmo virgens. Bom, virgens eu duvido.
E quando imaginei que estava entendendo esse universo nebuloso que é o universo feminino, percebi que nada sei. Mulheres são seres impossíveis de entender. Diferente do futebol, que embora imprevisível, é explicável. Ainda mais no Brasil, dito país do futebol, onde o esporte é uma fuga de uma realidade por vezes cruel.
Sobre o futebol sei muitas coisas. Sei o que é impedimento, entendo esquemas táticos, vejo nos jovens da base bons profissionais no futuro, lembro das escalações dos anos 80, época em que colecionava figurinhas. Então lembro da Batalha dos Aflitos, onde o Grêmio, com quatro jogadores a menos, com um pênalti contra e aos 38 minutos do segundo tempo, empatando em zero a zero, venceu o Naútico. A história já virou filme e todos já sabem. A bem da verdade essa foi a única vez em que entendi menos de futebol do que de mulheres. A única. Nas demais, o futebol é mais óbvio, quando comparado com esses seres insubstituíveis e cheias de curvas.
Uma amiga recebeu uma mensagem do ficante esses dias. Dizia:
- Passei o dia dormindo. Agora vou tomar banho.
Era uma mensagem pra lá de singela. Talvez no twitter fizesse sucesso. Apenas demonstrava o interesse do rapaz na menina, misturado com uma vontade de estar junto, próximo, uma vontade de dividir momentos. Porém, ela pouco estava interessada. O julgou pegajoso. Para desespero das outras, que queriam um namorado atencioso assim. Vai entender...
Tinha uma época, que pensei comigo mesmo: “Vou estudar, ser alguém na vida. Aprender a dançar. Não vou roubar. Nenhuma mulher vai me querer burro, sem estudo, sem objetivos, cintura dura, ladrão”. Foi na mesma época que minha mãe me convenceu que teria de tomar banho todos os dias a partir de então, pois se enforcasse a ducha diária, nenhuma guria iria me querer.
Então estudei, li bastante, na tentativa de ser mais culto. Tento não descumprir as leis, não saio sem pagar dos estabelecimentos, procuro ser um cara legal. Antes de dormir tomo banho, uso desodorante. Afinal, que mulher iria me querer se fosse assim?
E hoje eu respondo, lamentando: quase todas. As mulheres, quando apaixonadas, fazem escolhas erradas. Algumas, mesmo sem paixão, envolvem-se com camaradas que roubam, que não tem cultura, que não lhe dão carinho. Começou a cair a ficha quando ouvi uma música que dizia “que mulher gosta de dinheiro, quem gosta de peru é bicha”.
Espero que nenhuma mulher se sinta ofendida, mas olho as mulheres dos jogadores e dos artistas; elas buscam fama, e não o amor. Observo as mulheres de alguns empresários, e elas não querem uma paixão avassaladora, querem jóias, glamour. E as mulheres dos políticos então, querem poder e status. Talvez haja exceções, sempre há.
Ingênuo eu. Fui enganado. Acreditei que as mulheres iriam querer caras legais, honestos, inteligentes e limpinhos. Não era para ter tomando banho todos os dias.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

bullying

Sempre vítima de bullying, Roger não cresceu em paz. Não foi fácil amadurecer no meio de pessoas selvagens, que o instigavam desde que nasceu. Acuado diante de seus algozes, Roger tornou-se o homem mais tarado pelo sexo feminino que já existiu no mundo. Simplesmente porque nasceu em Pelotas.
O tema é pertinente. Depois muitos anos a sociedade discute abertamente a discriminação velada que se dá, principalmente, nas escolas. O bullying é uma agressão social e ocorre em todas as fases, e não apenas na escola. Qualquer tipo de discriminação social (etnia, religião, aparência, incapacidades, opções) é um ato ilícito, pois desrespeita a constituição e fere a dignidade da pessoa humana.
A questão é que a linha que existe entre o humor debochado e a discriminação é muito tênue. A piada contra gordos pode até não afetar adultos obesos, mas respinga nas crianças que sofrem com excesso de peso. Por outro lado, não rir da vida é um erro, e pode torná-la chata, sem graça. Fazer humor sem humilhar ou desrespeitar os outros não é fácil.
As vezes, assisto a indignação dos gaúchos quando escutam as piadas - quase sempre engraçadas - relacionando a homossexualidade com quem nasce no Rio Grande do Sul. Já vi comunidade no Orkut, adesivos e li comentários revoltados contra programas de humor, como o Casseta e Planeta, transmitido pela Rede Globo. Interessante é que justamente a emissora tomou as rédeas da campanha para acabar com o bullying. Afinal, sacanear gaúchos é só uma piada ou homofobia ou bullying?
O Roger não compra essa briga, pois que costuma viajar pelos rincões do Rio Grande e sempre que se orgulha de ser pelotense, ouve piadas sobre a sua sexualidade. Aliás, as mesmas piadas que ouvimos sobre gaúchos. Ou seja, o gaúcho se revolta quando as piadas vem de fora do seu Estado, mas adora fazer as mesmas piadas com relação aos pelotenses.
Incentivado pela campanha global contra o bullyng, ele aproveitou a oportunidade e assumiu a sua homossexualidade, de pelotense nato.
- Sou lésbica: gosto de mulher! Até meu lado homossexual é lésbico!
Culpa do bullying que sempre sofreu por nascer em Pelotas. E do Casseta e Planeta também.









quarta-feira, 15 de setembro de 2010

notícia

A atriz pornô russa Chiana Yosoboievic, 24, morreu durante as filmagens do filme “analni objavama” (tradução, revelações anais).

Segundo as pessoas presentes no estúdio, no fim de uma cena onde contracenava com outros 12 atores, a atriz começou a se contorcer e ficar vermelha.

“Ela saiu correndo desesperada. Fiz o que pude, tentei enfiar o dedo na garganta e tudo”, lembrou um dos atores.

Yosoboievic foi levada às pressas para um hospital, mas não resistiu e morreu antes de dar entrada. Fãs da atriz prestam suas últimas homenagens hoje às 22hs (horário de brasília).

O médico Alberto Canurto explica que nessas situações o procedimento adequado é o mesmo que para o caso de afogamento: respiração boca-a-boca e massagem cardíaca.


http://www.noticiacretina.com/2010/08/atriz-porno-morre-engasgada-com-esperma.html


parafraseando Antonio Tabet, qual o melhor comentário para a notícia acima?
1. Acidentes de trabalham podem acontecer em todas as empresas.
2. Respiração boca-a-boca depois de 12 gozadas? Bem, não podemos intervir no destino das pessoas...
3. Como assim, "morreu antes de dar entrada?"
4. Últimas homenagens as 22h? Será que ainda dá tempo de ir na locadora?
5. Porras!

domingo, 12 de setembro de 2010

seguro

Uma pacata agência bancária do interior tem o seu silêncio interrompido diante da entrada de um caipira:
- Bom dia! Quero um seguro para o carro que comprei!
Frenesi na agência. Era raríssimo alguém segurar um veículo naquela agência bancária. No município, predominantemente rural, não havia acidentes há mais de dez anos. Furto ou roubo então, nem as estatísticas sabem dizer. Dentro da agência, apenas um cliente, cercado por todos os funcionários. Um feito!
- Qual automóvel o senhor comprou? - questiona o vendedor.
- Comprei um Gol. Um VW/Gol, modelo F. - disse orgulhoso.
Seria uma boa oportunidade para a agência cumprir as metas do seguro veículo. Um seguro de um veículo zero traria boa rentabilidade à agência. A lamentar o fato de que o bancário não encontrava no sistema um Gol modelo F. Imaginou tratar-se de um veículo de última geração, algo que ainda não fora atualizado no sistema.
- Modelo F? - duvidou o funcionário.
- Sim. Modelo F. Zerinho! - afirmava o adquirente.
Todos os funcionários da agência tentavam encontrar na internet, em sites especializados, tal iguaria veicular. E não encontraram.
- O veículo está aí? - perguntou o gerente.
- Sim. Aqui na frente.
- Vamos lá ver, então.
Negócio fechado! O colono havia adquirido um Golf. Desfeito o equívoco, restava o funcionário preencher o cadastro, agendar a vistoria, e o Gol modelo F, do produtor rural estava resguardado.
- Qual seu sobrenome, seu Roger? - perguntou o funcionário, com os olhos atentos ao teclado. - É Souza com ‘z’ ou Sousa com ‘s‘?
- É Solza, doutor. Com L.
Pronto, bastava assinar o contrato. Três vias, distribuídas na mesa:
- Uma é sua. Outra da seguradora. E outra fica no nosso arquivo. Peço que o senhor assine aí em baixo, enquanto busco seu brinde.
- Assino em qualquer lugar, doutor? - pergunta o colono semi analfabeto.
- Sim senhor. Em qualquer lugar aí em baixo.
Minutos depois, o funcionário pedia ao cliente que assinasse novamente:
- Em qualquer lugar aí em baixo, mas no papel, seu Roger. No papel! Na mesa não pode ser!

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

o puteiro

O salão nobre das festas dos homens é um puteiro. Um lugar peculiar. Gosto de puteiros, das músicas, do palco, da penumbra e até da fumaça do cigarro. Por incrível que pareça, o que menos gosto é da atitude das mulheres, que só me acham interessante apenas se eu tiver dinheiro. E dinheiro tem me faltado ultimamente. Feio fica lindo em puteiro, basta ter dinheiro ou um bom limite no cartão. A beleza do cidadão está diretamente ligado ao dinheiro que ele possuí na carteira, diga-se de passagem, muito parecido com a vida fora da putaria.
Ainda sobre os puteiros, me fascina um local que existe desde que o mundo é mundo, onde as pessoas vão em busca do proibido. E lá, no prostíbulo, nem tudo pode, nem tudo é permitido. Existem regras. Passar a mão em bundas e peitos só é aceitável mediante pagamento de doses. Não é permitido cortejar a puta do outro enquanto o outro estiver pagando suas doses. É um mundo muito regrado esse do meretrício.
Sou solteiro. Solteiros apenas gostam de puteiros. Agora, os casados amam putas e proxenetas. Costumam se apaixonar. A prostituta identifica o cara comprometido, mesmo que ele ouse tirar a aliança. Ocorre que não há motivos para tirar a argola, até mesmo porque elas preferem os casados. É sabido, putas não beijam na boca. No máximo dão bicotinhas, selinhos. Porém é comum ver casados enamorados às putas nos cantos, ainda mais, escuros das casas, aos beijos, daqueles de novela.
Foi num salão desses, de uma alcoviteira bastante conhecida, que o Roger fez a alegria da gurizada, com uma dessas histórias que não vemos por aí, em qualquer esquina, ou no caso, em qualquer casa do sexo pago.
Era uma despedida. Qual lugar melhor para uma despedida do que um puteiro? Desconheço. Tu não comes ninguém, mas ri muito. Entretenimento puro. Assim foi naquele dia.
- Oi. O nosso amigo tá indo embora. Quanto tu cobras pra dar pra ele? - perguntou o Roger, cercado pelo resto da gurizada. - Só que tem que ser na frente de todo mundo!
- Ah, na frente de todos não faço. - disse a puta bastante mona.
Dois detalhes fundamentais: toda puta é difícil sem ver a cor da grana, a menos que tenha se drogado muito; a puta em questão, sentada num mocho alto, aparentava uns cinqüenta e cinco anos, lhe faltava um dente, seus cabelos lembravam a os da cantora e atriz Cher nos anos 80, e o corpo, bem o corpo, digamos que já foi bonito um dia.
- Pensa bem, faz teu preço. Nós queremos pagar pra ele uma noite de sexo. Ele é virgem, inclusive.
- Vocês só vão ver?
- Sim. Nós só vamos ver.
- Então tá. Cem reais!
Era uma negociação. Negociamos todos os dias, na feira, no banco, no supermercado. Geralmente, cada um cede um pouco, e ambas as partes chegam num valor consensual. Não foi o caso. O Roger foi irredutível, usou argumentos convincentes e fecharam o preço, de acordo com as necessidades dela, e a capacidade dele.
- Dez reais, então. Mas, não vou dar o cu pra ele! - exigiu a moça, bem menos intransigente.
- Negócio fechado!
Agora, faltava o interesse do amigo que partia. Fomos até ele, que rechaçou aquele trambolho. E ainda acrescentou uma provocação:
- Aquela lá ninguém come!
- Paga que eu como! - disse o Roger, aceitando a provocação.
E assim foi. Nosso amigo foi até a donzela, que bebericava um Martini:
- Oi. Quanto tu cobras para transar com aquele meu amigo? Com um detalhe: tem que ser na frente de todo mundo!
- Cem reais! - cravou ela.
- Eu pago! - disse ele, sem negociação, para sorte da meretriz.
E assim, foram pro quarto. Ela na frente, depois o Roger, o amigo que bancava a brincadeira e nós. Éramos uns seis no quarto. Cabe comentar que a puta mor baixou o som da vitrola, para que todos pudessem ouvir e rir da festa que acontecia no quarto. Dentro do quarto, todos batiam palmas, davam gargalhadas, assoviavam e incentivavam o menino Roger. Particularmente não faço idéia se era mais difícil manter a ereção diante de tal algazarra ou perante a qualidade da fêmea. Mas, o Roger foi um guerreiro, cumprindo com suas obrigações. Não sem antes atender um pedido da puta, que ao colocar o pau na boca, o mandou para o banho, o que lhe rendeu o apelido de ‘relaxado‘.
Depois do ato, compadecido, fui conversar com puta velha. Nunca tinha visto uma puta tão velha em atividade, imaginei que ela teria histórias para contar:
- Faz muito tempo que tu trabalhas nisso?
- Não. Eu não sou puta.
- Não?! - me surpreendi.
- Não. Só faço isso porque preciso.
Fiquei abalado. De um lado fanfarrões. De outro, mulheres que precisam de dinheiro. Homens que mentiram e deixaram as suas mulheres e filhas em casa, de outro, mulheres que deixaram seus filhos em casa, passando necessidades básicas. E eu, com um copo de cerveja na mão. E elas juntando trocados para comprar leite.
Lembrei de uma vez, numa excursão de jogo do Grêmio, quando um vendedor ambulante correu duas quadras tentando vender cachorros-quente para os passageiros. Lembro que gritei pra ele:
- Que vontade de vender, hein!
E ele respondeu, rimando:
- Necessidade de sobreviver, sobreviver.
Comprei o cachorro-quente frio e mal prensado. Lembrei disso enquanto conversava com a puta velha - ou seria velha puta? -, escorado no balcão. Desacorçoado com a situação, pensei em encerrar o assunto, ir embora pra casa, abalado que estava, mas percebi que outro colega ainda continuava a conversa:
- O que tu faz, então?
- Sou traficante. - disse ela docemente. - Só estou aqui para juntar dinheiro para pagar a fiança da minha filha, que foi presa por tráfico também.

sábado, 4 de setembro de 2010

insônia

Devido a má fase do Roger, que não comeu ninguém nesse inverno, e me deixou sem histórias sexuais para contar, volto a falar de futebol. Quem não gosta de futebol aperte as teclas Alt e F4 ao mesmo tempo.
Pronto, posso falar de futebol. Não que eu goste de futebol. Até gostava, num passado recente. Hoje, sofro amargamente com o futebol, o que me faz gostar mais de outros esportes, como críquete e montanhismo, e pensar mais em outras coisas mais interessantes, como novelas e política.
Por falar em futebol, ele foi o maior responsável pelo meu amadurecimento enquanto homem. Sempre fui um cara arrogante. Muito arrogante tratando-se de futebol. Não discutia sobre futebol com colorados. Não discutia e encerrava a discussão dizendo que “não discuto sobre futebol com torcedores de times menores do que o meu”. Realmente, me achava superior, futebolisticamente. Afinal, o Grêmio era Campeão do Mundo, tinha outros títulos internacionais que o co-irmão não tinha. Nasci em 1980, e por mais de 25 anos vi o Grêmio ganhar tudo, e o Internacional, apenas uma Copa do Brasil. Minha arrogância dizia que essa Copa do Brasil foi ganha roubada. Amadureci um pouco, e percebi que não fora um roubo, e sim um erro de arbitragem. Enfim, ainda aguardo um erro de arbitragem a favor do Grêmio.
O amadurecimento começou em 2006, quando o Inter foi campeão do mundo. Demorei a digerir tal feito. Primeiro, subestimei ao falar do “herói” do título, um tal de Gabiru, mal quisto até hoje pela torcida colorada:
- Cada time tem o ídolo que merece. - dizia eu, arrogantemente.
A arrogância beira a provocação. A provocação é saudável, a arrogância deplorável. Os colorados diziam que tinham vencido o todo poderoso Barcelona (desfalcado do argentino Messi e do camaronês Et'o, jogadores fundamentais na conquista do título europeu), enquanto que o Grêmio teria vencido o modesto Hamburgo, da Alemanha, vice campeão da Copa dos Campeões, e que só disputou a final em Tóquio devido a desistência do Juventus da Itália, legítimo campeão europeu de 1983. Daí eu pensava alto:
- O Grêmio venceu um time da Alemanha, tri campeão mundial de futebol. E o Inter, um time da Espanha, que nunca ganhou nada.
Em 2006, a Espanha, de fato, não havia ganho nada, nem uma Eurocopa. Pois o amadurecimento futebolístico me mostrou a Espanha ser campeã do mundo em 2010. E ainda em 2010, desisti da minha arrogância, ou minha arrogância desistiu de mim. Logo após a vitória espanhola na Copa do Mundo da África do Sul, tentei usar os últimos respingos de superioridade que ainda haviam em mim:
- Se o Internacional for campeão da Libertadores, vai ser a primeira vez que um time ganha a Libertadores com 3 goleiros jogando mal.
Mas, foi. Pouco importaram as falhas dos arqueiros colorado. O Internacional se igualou ao Grêmio em número de títulos no continente, e candidata-se a ultrapassá-lo no final do ano. Até dezembro, meu sono será intranqüilo. Alguma coisa vai me incomodar por meses. Percebi minha arrogância, e agora temo pela arrogância do adversário. Enfim, o futebol amadurecendo as pessoas, colocando nossos pés no chão. Resta-me torcer pelo Inter no final do ano. Internazionale de Milão, é claro.

uma noite na lapa

A partir do momento que o rival do Grêmio foi campeão do mundo passei a me interessar mais por samba e menos por futebol. Poderia ter ficado bravo, irritadiço, frustrado. Preferi ficar indiferente, ao menos por fora. Por dentro, fico bravo quando me lembro, me irrito com facilidade e o futebol passou a ser um esporte frustrante.
O samba tem uma diferença primordial em relação ao futebol. No samba ninguém ganha ou perde. Todos ganham. E ganhar sempre é muito bom. O samba me dá mais alegrias do que o futebol. Aliás, mais alegrias do que qualquer outro tipo de música. Não que isso seja uma vitória, mas me irrita e frustra menos.
Assim, decidi que teria que entender o samba. Entender apenas, porque não sei tocar nenhum instrumento, quem dera sambar. Aliás, o único instrumento de corda que eu toco é o sino de igreja. Pensando bem, não saber tocar um pandeiro é uma derrota, dessas que tenho vivenciado no futebol. A diferença é que aprender a tocar só depende de mim.
Assim, fiz as malas e fui pro Rio de Janeiro, mais especificamente, posei num albergue em Santa Tereza. Meu rumo ficava aos pés do morro de Santa, mais especificamente na Lapa. Lá, o aprendizado poderia ser mais fácil, rápido e barato. E foi.
Na Lapa, o ambiente conspira. Os prédios velhos, os cariocas, a música. Tenho uma história para contar aos meus netos. Algo que eu me orgulho, eles talvez não. Fechei quatro bares na Lapa.
O primeiro, fechou cedo. Começaram a retirar as cadeiras, depois as mesas. Restou eu e uns amigos do albergue. Pedimos mais uma cerveja, e o garçom nos mentiu, dizendo que tinha acabado. O segundo bar, fechou também, uma hora depois. Sorte nossa, que do lado tinha outro. Esse fechou as quatro da matina. Lembro da minha visão anuviada, um tanto embaçada. Era uma terça feira dessas, que sobram poucos malandros por lá. Lá pelas tantas me cutucaram: haviam fechado aquele boteco também. Teria de abrir os olhos e levantar. O último bar foi o melhor. Ali, conheci pessoas fantásticas, dessas que só conhecemos no Rio, mais especificamente na Lapa. O boteco ficava aos pés de Santa Tereza.
Lembro do Zoinho, um ex policial. Ninguém de nós ousou perguntar por que ex policial. Teria sido exonerado? Teria se aposentado? O Zoinho era gente boa, e arregalava os olhos no final de cada frase, na tentativa de ressaltar o que fora dito. Uma pena precisar cheirar a todo instante. Essa foi a única vez que vi a droga sendo negociada. Passando de mão em mão discretamente, como se traficantes e usuários fossem mágicos escondendo um truque.
Lembro do traveco mais feio do mundo. Era um homem feio. Bem, todos travestis são homens. Mas esse, nem a barba fazia. Magro, alto, rosto esguio, queixudo. Acendia um cigarro no outro. Era a mulherzinha de alguém que estava dentro do boteco, não sei de quem. Ali chegou e ficou, sentada numa cadeira de plástico, em silêncio, fumando. Só parecia incomodada com o Chico da Mangueira.
O Chico da Mangueira estava sentado na cadeira, do outro lado da mesa. As vezes levantava, para gesticular aos seres imaginários com quem ele falava. E ele falava sem parar, sem ponto final, com raras vírgulas. Não havia diálogo possível. Lembro que ele falava da “comunidade“ a todo momento. Queixava-se muito do abandono que havia na comunidade. As vezes, quando levantava, esbarrava na mesa, que esbarrava no traveco mais feio do mundo. O traveco não gostava nada da situação, fazia uma cara feia de reprovação. E o Chico continuava a contar histórias, falar de política, de segurança e de samba. E da comunidade. O Chico dizia coisas de fundamento, comentou o Zé Sérgio.
Zé Sérgio era o cara que parecia mais culto ali, tipo letrado. Disse que morava em Santa Tereza, que já havia morado em São Paulo, mas que não aguentou ficar longe do Rio, da Lapa. Abandonou o emprego e voltou para o Rio, talvez para ser um típico malandro. Comentou que há muitos anos o Chico havia levado ele na comunidade, na véspera do carnaval. Lamentou pelo Chico, que, ainda gesticulava sem parar e comentava do abandono que se encontrava a “comunidade”.
De todas as figuraças que cruzei no Rio, nenhuma me encantou mais do que o Tiozinho. Ninguém sabia o nome dele. Aparentava uns 75 anos. Bastava alguém comentar sobre um samba ou um sambista, e ele cantava. Alguém gritava “Candeia”, e ele contava que conheceu Candeia em tal ocasião e que puxava um partido alto acompanhado pelas palmas de todos Outro gritava “Cartola!”, e ele explicava que Cartola era um servente de obras analfabeto, e compunha letras que poucos letrados fazem tornar-se sucesso. Outro malandro puxava “chegou, o carnaval, e ela não desfilou, “ e o Tiozinho continuava o samba do Benito de Paula.
O trânsito tornou-se intenso, a partir das cinco da manhã. As sete horas, resolvemos ir embora, satisfeitos com a aula do Tiozinho. Antes de subir Santa Teresa, deixamos o Tiozinho no hotel para solteiros que ele morava. Não sem antes, juntarmos umas moedas que sobraram para ajudá-lo em seu almoço do dia seguinte. Lembro que olhei para o boteco, que não fechava nunca. Saia os malandros cambaleantes, e entravam os trabalhadores, para tomar um café da manhã, afinal, o show tem que continuar.
Mas, o Chico ainda estava lá, sozinho, falando sem parar.