segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

as pedradas

Assistindo a luta dos egípcios nas ruas de Cairo e de Alexandria me lembrei de alguma outra encarnação que devo ter vivido. Não que eu acredite em reencarnação, mas devo lutado jogando pedras num passado bem distante, tamanho realismo que vislumbro em minha imaginação. Fiquei surpreso com o tamanho das pedras. Enormes! Dispostas a ferir. Brigar jogando pedras é coisa do passado, ao menos aqui no ocidente. Principalmente depois que inventaram a pólvora. Ao ver os pedregulhos atingindo as testas de vários cidadão, várias coisas me vieram a cabeça. E por sorte não eram pedradas.
Lembrei-me da Venezuela de Chavez. Acredito que mais cedo ou mais tarde, a Venezuela vai cansar de Chavez, diferentemente de nós que não cansamos de assistir o Chaves mexicano, no SBT. Chavez tem seus méritos. Implantou um modelo socialista, com controle do Estado sobre diversos órgãos públicos, reestatizações típicas de quem contrapõe o socialismo. Tem uma pequena maioria de apoiadores. Contudo, nem só de virtudes sobrevive o Governo venezuelano. Cercear a liberdade de imprensa é, sem dúvida, um tiro no pé eterno, que hora ou outra irá fazer com que o povo, cansado de perder sangue, exija mudança. E aí, não creio que mudanças ocorram sem que pedras sejam jogadas. Espero que quando eu venha a conhecer Isla Margarita, outras coisas venham a minha cabeça.
Lembrei-me também de uma vez que joguei pedra, ainda nessa encarnação. Coisa de guri. De guri idiota, diga-se de passagem. Nos reunimos e algum vizinho idiota sugeriu:
- Vamos jogar pedra no ônibus das oito?
Todos os vários vizinhos idiotas dissemos sim e fomos até a praça da igrejinha. Formamos dois grupos de ataque. Uns ficariam sobre a praça, atrás da igreja. Outros, atacariam pelas costas, numa covardia que me envergonha até hoje. Quando o ônibus parasse no ponto e estivesse arrancando, faríamos o ataque. O motorista engatou a segunda marcha - aqueles ônibus arrancavam sempre em segunda marcha - e antes de fazer a terceira, o vidro traseiro estava sendo estilhaçado por uma pedrada de um guri idiota. Quase um egípcio sem causa, um vândalo. O vândalo idiota e sem causa era eu. Nenhum outro teve coragem de jogar a pedra, já que eu havia contribuído antes com a indústria que vendia vidro temperado. Todos arrancamos em disparada, de forma dispersa, tal qual havíamos combinado. A idéia tática era dificultar o contra ataque.
Lembro que joguei a pedra e corri. Corri muito. Cego e surdo. Mal ouvi o barulho dos estilhaços. Voltamos à esquina onde estávamos.
Os idiotas dos meus vizinhos me parabenizaram. Que mira!, diziam eles. Tu és o cara!, me orgulhavam. Mas, idiota quando guri demora a amadurecer. Algum outro idiota resolveu que deveríamos jogar pedras no ônibus das oito e meia. Todos adoraram a idéia. Cansamos de jogar pedra nos vidros da escola estadual que havia no bairro. Nos ônibus era mais divertido, havia pessoas dentro dele. Fomos em grupo. Um exército de idiotas. Mesmo plano, acocados nas mesmas posições. Quando o motorista iria engatar a terceira, enquadrei meu corpo, fechei os olhos e quando abri a mão para arremessar a pedra ouvi um grito:
- Filho da puta!
Soltei a pedra que caiu a poucos metros - sem quebrar nada dessa vez - e corri. Corri muito, como nunca havia corrido na minha vida. Todos correram, mas o policial a paisana foi atrás de mim. Não sei como ele sabia que era eu o idiota responsável pela pedrada anterior, mas fez certo em me seguir. Merecia tomar uma surra. Talvez uma pedrada na cabeça. Um paralelepípedo egípcio. Lembro que era inverno e eu usava um jaquetão, tipo parka. O policial a paisana usava uma manta, uma touca e gritava:
- Filho da puta!! Filho da puta!!
Acho que os gritos o tiraram o fôlego e eu abri distância. Saudade do tempo em que eu era rápido. Lembro que virei a esquina e, ofegante, pulei o muro da casa de um conhecido, onde deitei atrás da mureta de menos de meio metro. Totalmente cagado, com medo e arrependido. Tentei respirar moderadamente, mas minha respiração emitia sons, de tão ofegante. Foram segundos tentando não respirar, até que o policial disfarçado se afastasse. Segundos eternos. Ele passou a passos largos, mais ofegante do que eu. Resmungava algo do tipo “filho da puta, filho da puta”.
Permaneci no átrio da casa por mais uns vinte minutos. Temi que alguém me visse. Minha respiração voltou ao normal e pus o nariz para fora da parka que me cobria. Ainda deitado, espiei com o olho esquerdo se havia alguma movimentação na rua. Nada. Com a mão apalpei o olho de baixo. Vá que eu estivesse cagado literalmente! Não estava. Precavido, esperei mais uns dez minutos antes de sair dali. Segui em direção oposta, fui a outro bairro e voltei algumas horas depois. Para disfarçar, saquei a jaqueta. Era idiota, mas não burro.
Pouco antes das onze cheguei na esquina onde tudo havia começado. Poucos vizinhos idiotas e outros não idiotas ali estavam. Já não estavam orgulhos de mim, e sim preocupados. Viram o policial partindo em minha direção horas atrás. Contei a história, menti que fugi tranqüilo, com sobras, mas que resolvi vir quando estivesse tudo em segurança. A travessura irresponsável me fez amadurecer bastante. Nunca se ouviu algum comentário sobre algum ferido. Nunca mais fui um idiota atirador de pedras.
Certa vez, estava no ônibus em direção ao centro. Quando o motorista engatou a terceira ouvi o barulho e senti os estilhaços caindo sobre minha cabeça. Um idiota havia jogado uma pedra no ônibus. Descobri que os vidros dos veículos estilhaçam de forma a não ferir ninguém, ao menos de forma grave. Perguntaram se eu estava bem e seguiram a viagem. Sacudi os cacos de vidro e pensei:
- Filho da puta, filho da puta...

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