quarta-feira, 4 de agosto de 2010

déjà vu

Quando o casal entrou no restaurante, Roger já estava lá. Era uma confraternização da empresa na qual trabalhavam. Mas, Roger jamais iria imaginar que iria passar por uma situação embaraçosa como essa. Ele tinha quase certeza que já havia comido a mulher do novo colega de trabalho.
Alguns devem estar pensando que isso poderia ocorrer com qualquer um, que o Roger não imaginou um dia trabalhar com o colega recém admitido, que eles ainda não se conheciam. Porém, friso eu, Roger não lembrava onde havia se consumado o fato, também não lembrava como havia conhecido a esposa do colega, e tampouco detalhes do caso. Tinha apenas uma certeza: ela era casada quando eles saíram juntos.
- Boa noite a todos!
- Boa noite! - responderam todos.
- Essa é minha esposa. - disse apontando em direção dela, com o braço direito sobre o ombro e o esquerdo gesticulando como se estivesse apresentando um espetáculo.
E era, afirmo eu. Gata, mas gata mesmo! Usava aparelho nos dentes, o que a deixava com ar mais jovial. Havia colocado há pouco tempo, provavelmente, já que ajeitava os lábios sobre o aparelho a todo instante. Ela, um pouco tímida ao ser apresentada a todos de uma só vez, recebendo todos os olhares, não havia percebido que o Roger estava ali, talvez porque ele estivesse escondido dentro da taça de vinho tinto que saboreava. Por um instante Roger temeu que a situação se agravasse e estivéssemos diante de um incidente diplomático caso a moça fosse apresentada individualmente para cada um em torno das mesas que já acomodavam mais de vinte pessoas. Mas, a apresentação foi coletiva e o casal logo tratou de sentar do lado oposto. Como haviam chegado por último, o colega sentou na cabeceira da última mesa, e ao lado dele, do outro lado da mesa, no canto oposto, a deusa em forma de pecado. Roger queria ir embora, acanhado que estava. Cessou as suas piadas, calaram-se as suas histórias.Não debruçou-se na mesa para que a ex amante não o visse. Recostou-se na cadeira e assim permaneceu até o fim da noite. De corpo presente, e com a memória no passado. Revirou baús dentro do cérebro e não achava respostas para lembrar de onde havia conhecido aquela mulher. Se perguntava como? Onde? Não encontrava respostas. Espiava a moça de rabo de olho. A imagem era clara, já haviam ficado.
Durante a janta ainda, aos poucos, a memória lhe apresentava um balanço do que havia acontecido. Lembrou que fora em outra cidade. Mais tarde lembrou que ela fumava. Depois lembrou que foi numa festa. Depois lembrou que estavam bêbados.
- Pessoal, quero propor um brinde! - disse o chefe. - Um brinde a nossa equipe de trabalho. Em anos de empresa, eu nunca havia trabalhado com um grupo tão bom, tão qualificado, capaz. Parabéns aos que conseguiram ótimos resultados nesse semestre e àqueles que estão chegando ao nosso time!
Maldita aquisição, pensou o Roger. Era o único solteiro da turma, gostava de todos, era querido por todos. Só faltava essa agora, “um corno como colega de trabalho!”, esbravejava em pensamentos. E o guampudo era um gente boa, competente, educado, trabalhador. Mas, corno!
Roger foi pra casa pensando em pedir férias. Um mês longe de casa ajudaria a esquecer essa situação. São raros eventos profissionais com a família, seria possível suportar a traição que havia proporcionado ao colega. Roger já havia traçado mulheres casadas, mas jamais mulheres casadas quando ele conhecia o marido. Era ético. A sua maneira, é claro.
Férias, Um mês de férias no nordeste! Festas, bebidas e mulheres por 25 dias. Inveja do Roger. Gastou menos do que queria, mas muito mais do que podia pagar. Na volta ao trabalho, no refeitório, almoçou com o colega novo:
- E aí! Como foram as férias? - perguntou o inocente.
- Excepcionais. Até num cruzeiro eu fui. Comia cinco vezes por dia, mulherada fácil, não dava vontade de voltar a trabalhar.
- Pois eu e minha esposa já fizemos um cruzeiro. Mas, era um cruzeiro romântico.
- Hum. - resmungou ao lembrar da esposa e ex-amante.
- Só tivemos um problema.
- Qual?
- Levamos a minha cunhada. Era uma promoção, e só dois pagavam, e aí...
- Sua esposa tem uma irmã? - interrompeu o Roger, mesmo com a boca cheia.
- Sim, gêmea.
Era a salvação, vibrou ele. Foi um engano. Graças ao Santo Protetor dos Cafajestes e Sem Vergonha na Cara. Era a irmã e não a esposa do colega de trabalho. Relaxou, retirou um peso das costas. Ficaram amigos, conversavam bastante, sobre tudo. Havia quebrado o gelo da discórdia.
- Roger, quer ir almoçar lá em casa na sexta-feira santa? - convidou o colega.
- Almoçar? - perguntou ele um tanto receoso.
- Sim. Almoçar. Sei que você é solteiro e garanto que não existe miojo de peixe. - brincou.
- Não ligo para essas coisas.
- Vai fazer o que em casa?
- Tá bem, apareço por lá.
No almoço, aquela mesma sensação incômoda. A sensação de já ter encontrado aquela mulher em algum lugar. Procurou por fotos da cunhada. Imaginou que se fossem gêmeas, ao menos parecidas seriam, e assim resolveria o problema. Mas, nada de fotos. Só peixe assado e vinho branco. Almoçou, conversou um pouco e foi embora. A pulga ainda continuava atrás da orelha. Mas, ela fora tão indiferente perante a sua presença que talvez estivesse enganado, talvez fosse apenas aquelas sensações que temos quando passamos por uma situação que parece-nos já ter ocorrido.
No sábado, ele recebeu um torpedo esclarecedor:
- Oi. Ainda tinha seu número aqui. Adorei rever você. Apareça para almoçar mais seguido. Hehehe. Bjs

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