quinta-feira, 12 de agosto de 2010

os anjinhos

Nunca comentei com ninguém isso. Na verdade, ao escrever nesse blog que ninguém lê, continuarei sem contar a ninguém. Enfim, escrevo para economizar com o psiquiatra. E com os remédios.
Quando era pequeno, pequeno mesmo, por volta dos cinco anos, seis talvez, eu tinha um amigo. Um amigo imaginário. Era um anjinho, que me acompanhava. Imaginava eu que esse anjo me acompanhava desde o meu nascimento, mas que ele só aparecera quando eu tivera a primeira dúvida. Pensei o que deveria fazer, não sabia ao certo e de repente ele apareceu dizendo que eu deveria brincar com carrinhos na sala, ao invés de jogar gol-a-gol no pátio de casa. Foi uma boa dica, uma vez que eu já havia tomado banho. Além disso ‘mulher, tem outra coisa, minha mãe não dorme’ com a bola batendo ora nas paredes, ora no portão de ferro. Eu o chamava de João. Como ele tinha minha idade, era conhecido no mundo imaginário como Joãozinho.
Joãozinho me acompanhou até a época escolar, quando comecei a enfrentar problemas com a matemática. Foi quando ele me apresentou outro anjo, um pouco mais velho, e mais sabido com números: Paulo. Joãozinho me explicou que era a hora de eu “avançar”, e Paulo era um cara, digo, um anjo mais experiente para “determinados assuntos”. Não entendi bem, mas comecei a andar com Paulo, um tanto quanto receoso. Paulo era mais ousado. Lembro de uma briga, na escola. A nossa turma contra uma outra turma. Briga, correria e Paulo me forçou a passar um rapa num guri da outra turma. O guri caiu no chão, esfolou o rosto, cotovelos. Chorou muito aquele guri. Não sabia se ria, se corria ou o que fazia. Paulo havia sumido, logo após o tombo.
Na outra tarde, o coordenador chamou uns quatro ou cinco da minha turma. Era o sinal que havíamos vencido a briga. Vitória ingrata foi aquela. Na sala da coordenação, participei de minha primeira - e única - acareação. De um lado eu e meus colegas de aula. De outro, os que tinham apanhado. Embora sendo partícipe dos valentes, estava cagado. Acompanhavam a acareação os pais dos que haviam apanhado e uma psicóloga, além do coordenador que perguntava a mim com fúria nos olhos:
- Foi você que derrubou o fulano?
Eu não respondia. Entrei mudo e saí calado. Esperava alguma dica de Paulo, mas ele não foi macho o suficiente para assumir sua culpa diante do coordenador enfurecido. O coordenador repetiu a pergunta e num ato de medo e coragem, balancei a cabeça num sinal de afirmativo. Temi pelo pior. Tinha medo de ser preso. Escapei com uma suspensão branda, por três dias, que depois me soou contraditória. Para aprender a não bater em ninguém, minha mãe me bateu durante os três dias.
Ainda quando voltei às aulas, o Paulo custou a aparecer. Anjo filho da puta, pensava eu. Só apareceu quando resolvi escrever uma carta de amor para uma colega de aula por quem era apaixonado. Teria me casado com ela aos oito anos, não fosse Paulo. Escrevemos a carta, ele corrigiu os erros de português. Covarde que ela, mandou eu entregar a carta. Coloquei dentro do caderno dela e saímos correndo. Lembro que ele me aconselhou até meus quatorze anos, quando estava na iminência de perder o cabaço. Ficava tenso com as oportunidades perdidas e ele não me ajudava. Até que um dia ele teve uma conversa comigo:
- Cara, tá na hora de você seguir seu caminho.
- E quem vai substituir você? - perguntei diante da possibilidade de ficar desamparado.
- Um dia, vai aparecer um outro anjo. Um anjo mais “preparado”. Mais experientes em “determinados assuntos”. Até ele chegar, você sabe se virar sozinho. - disse ele com aquela conversa de sempre.
Paulo se foi. Talvez para o céu, talvez para o mesmo lugar que Joãozinho. Talvez tenha ido fazer merda por aí. Particularmente, acredito eu que ele nunca havia comido nenhuma anja e, nervoso, pulou fora sem saber como me ajudar.
Até que um dia eu estava no escuro. Acompanhado de uma morena, de cabelos crespos, cheirosa. Ouvi um barulho no elevador. O elevador parou no nosso andar. Não entendo, mas ela parecia não ouvir. Eu escutava com clareza. Ouvi os passos. A porta estava entreaberta. O vulto entrou. Ela não percebia, mas ele estava escorado no marco da porta, nos observando. Quando eu consegui baixar as calcinhas dela, e pude sentir aquele líquido que escorria em suas coxas, ele apareceu. Era meu novo anjo que disse com uma voz rouca:
- Olá, sou seu novo anjo. Meu nome é Roger. Ah, se precisar de alguma ajuda aí, me chame. Estarei aqui fora.

3 comentários: