sexta-feira, 1 de outubro de 2010

a carta

Morar em apartamento é algo interessante. Em condomínios então, nem se fala. Roger morou num prédio, em determinada ocasião. Era um prédio com cinco andares. Cada andar, oito apartamentos. Tentou fazer dos corredores o pátio da sua casa. Mas, era bastante gente. Muitos vizinhos. Pela proximidade, achou interessante envolver-se com uma vizinha, principalmente para ter o que fazer nos dias de chuva. Todo dia encontrava uma vizinha, tentava uma troca de olhares. Em vão, sem sucesso.
Uma vez, estava saindo pra jogar o futebolzinho da semana, quando uma vizinha de corredor sai na frente, junto com uma amiga. Moravam no quarto andar. Começaram a descer as escadas. As duas conversavam alegremente, enquanto Roger ouvia, atento:
- Hoje, até recebi uma proposta de casamento. - disse a vizinha.
- Sério? De quem? - pergunta a amiga da vizinha.
- De um cara lá de São Luis do Maranhão. Queria que eu fosse pra lá. - disse ao atingir o segundo andar.
- E tu vais?
- Imagina! Não vou não. Quero casar, mas aqui, em Bagé mesmo.
- Hum...
- Ainda mais agora, que o inverno tá chegando, nesse apartamento enorme, frio. Até queria alguém, mas aqui. - completa ao chegar no saguão do prédio, antes de ir em direção as caixas onde ficavam a correspondência. Nesse momento, a amiga parou e olhou para o Roger, devidamente uniformizado com calção, camiseta e meias arriadas. Ele não teve dúvidas: elas falavam pra ele ouvir. Era um recado. Foi jogar com essa idéia na cabeça. Ainda comentou com os amigos do futebol a respeito. Comentou com colega com quem dividia o apartamento. Quem era aquela vizinha que, até então, não havia visto no prédio?
Jogou com essa dúvida na cabeça, o que provavelmente deva ter afetado seu desempenho futebolístico. Após o jogo, precisou reidratar o corpo com o líquido dos atletas de meio de semana: cerveja! Muita cerveja gelada. Cada um paga uma, depois a segunda, depois começam as saideiras. Alguns foram embora, tinham de chegar cedo em casa. Outros ficavam bebendo mais um pouco. Depois, passando a meia noite, foram embora. Roger foi sozinho, cambeleando, já que seu colega de apartamento já havia ido embora mais cedo. Foi com a história da vizinha na cabeça.
- Ela falou pra mim! - pensava - Por que a amiga dela iria me olhar se não fosse pra mim? Claro que era pra mim.
Convencido pela sua própria embriaguez, chegou em casa, colhe um papel A4 na impressora, senta-se e sobre a mesa da sala e escreve uma carta, com a letra tremida:






Meses depois...

Era um dia como outro qualquer. Roger estava trabalhando, no atendimento. Atendia preferencialmente os idosos, o chamado atendimento prioritário. Já estava no final do expediente, e clicou no número de algum idoso, dentre tantos que aguardavam na fila. Nisso, levanta-se uma jovem senhora, trinta e poucos anos. Senta-se na frente do atendente Roger.
- Tudo bom? - disse ela.
- Tudo bem. A senhora pegou um ficha prioritária, reservada aos idosos. - recrimina ele a jovem senhora.
- Sim. Peguei uma ficha para minha mãe.
- Eu vou atendê-la, dessa vez. Mas, da próxima, a senhora não pode pegar uma ficha prioritária, mesmo que seja pra resolver um problema para sua mãe, ok?
- Ok, mas o que tenho pra resolver é jogo rápido...
O atendimento seguiu, normalmente. Até que ela faz um comentário, um tanto quanto maldoso, com um sorriso maroto no canto esquerdo da boca:
- Não é tu que moras nesse prédio aqui do lado, o branco, com cinco andares?
- Sim, sim. - responde ele sem tirar os olhos do monitor.
- Tu moras no quarto andar, né? - detalha com mais malícia.
- Sim... Moro. - responde ele, após deixar de olhar a tela, mas, ainda sem virar o pescoço.
- Tu moras no 304, não?
O sorriso malicioso dela daria inveja a Monalisa. Roger virou o pescoço para melhor observar quem era aquela jovem senhora que lhe causava embaraço. Voltou a olhar para o monitor, mas na tela passava um filme, idêntico ao do link acima. Esqueceu o serviço que estava prestando. Engoliu a seco a idéia de estar atendendo sua vizinha, a vizinha que havia recebido a carta. Ruborizou. Só poderia ser a vizinha da carta. Teve vergonha. Queria uma pá de corte para cavar um buraco e nele atender os demais clientes até o final da outra semana, se possível, mascarado. Até que ela, para seu completo vexame, esclareceu:
- Prazer. Eu sou a tua vizinha do 302.




Preciso agradecer..
ao Leonardo, bancário, economiário e câmera de celular
ao Gustavo, bancário, economiário, músico e editor de vídeos

3 comentários:

  1. INACREDITÁVEL. teus contos estão cada dia melhores. agora ilustrados com vídeos então?! muito, mas muito jóia! e essa carinha de melancia?! uhahahahuhauau

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  2. BAH!!! Finalmente eu vi o tal vídeo. Muiiiito bom! hiauhaiuahaiuahiau

    Bjs!

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