segunda-feira, 2 de maio de 2011

um mártir

Quando ouviu os tiros o coração disparou, mas demorou alguns segundos para perceber que a ardência que sentia entre o coração e o ombro esquerdo era fruto dos dois projéteis que haviam sido lançados em sua direção. Demorou mais ainda a entender o porquê aquele carro vermelho havia saído em alta velocidade. A queimação dificultava a percepção das coisas que estavam acontecendo. Somente quando o sangue começou a lavar a camisa azul calcinha que ele percebeu que havia sido baleado pelo motorista do carro.
A esta altura alguém deve estar pensando que estou contando uma história do 007 ou de um dos filmes da ideologia Bourne. Ou que o cidadão que perde sangue sem parar morava no Morro do Alemão anos atrás. Bala perdida, podem pensar alguns. Nã-na-ni-na-não! O Roger foi baleado. Motivo: mulher. Mulher casada. Ou melhor, dor de corno.
Explico: esses tempos o Roger conheceu uma mulher. Ela ficou interessada, mas disse que iria pedir a aceitação do marido. Ele devia esse favor, já que certa vez foi a vez ele quem havia proposto a participação de uma mulher e ela havia aceitado. No início o esposo relutou. Mas, uma mulher decidida é capaz de fazer cães ferozes miarem. E esse cão miou um sim.
Roger os recebeu em sua casa. Conversaram pouco, foram pro quarto. O maridão assistiu a tudo em pé, escorado na porta. Roger e a mulher casada transaram na frente dele. No final, após o convite dela, ele sentou na cama, para presenciar mais de perto o gozo final. A história era para terminar aí. Não terminou.
Acometido de uma fúria incontrolável, o esposo, até então manso, começou a ameaçar o Roger por telefone. Dizia que iria matá-lo, agredí-lo. Dizia que iria fazer ele pagar por tudo. Mas, se pagasse seria prostituição, e esse não era o combinado. O xingava com vários palavrões, inclusive o chamava de corno. Enfim, Roger já não andava dormindo sem chavear a porta da casa. Pensou em ir a polícia. Juntar as mensagens e as ligações do celular, as conversas do MSN e os e-mails como prova. Estaria registrada a intenção, mas ainda sim Roger teria que continuar trancando a porta, pois um registro policial não bastaria para lhe trazer o sono sagrado de volta.
O tempo passou, as ameaças diminuíram, e ele não procurou a polícia. Já não trancava a porta da casa. Dormia tanto a ponto de perder o horário do serviço. Quando já andava saltitante por aí, recebeu os tiros. Foi levado ao hospital. A médica que retirou os projéteis foi bem sucinta:
- Você perdeu muito sangue. Tem poucas chances.
Ele mandou me chamar. Sussurrou que não estava agüentando mais, que não tinha mais forças. Ainda disse que estava feliz, muito feliz, pois não estava morrendo por uma doença degenerativa, ou num acidente besta de trânsito. Estava morrendo por causa de uma foda. Por causa de uma mulher. Uma mulher que havia tido prazer na frente do marido. Um prazer que nunca tinha tido antes. Nada mais importante para ele do que dar prazer a uma mulher. Mostrei-lhe o jornal antes que olhasse para dentro definitivamente. Manchete na capa, destaque na página policial. A foto do esposo traído detido pela polícia. Assim Roger entrava para história do bairro, por ter dado prazer a mulher casada, por ser melhor do o ex-corno manso, agora o corno mais conhecido na cidade.

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