sexta-feira, 13 de novembro de 2009

o sonâmbulo

Roger tinha uma qualidade que eu queria pra mim. Dormia bem. Sentado, entre uma viagem e outra, não tinha problemas com o sono. No ônibus, dormia antes de sair da rodoviária. Deitado, na cama então, nem se fala. Depois do sexo, tinha que levantar, para não dormir na cama e deixar a mulher sem carinhos e conversas que as mulheres precisam. Dormia bem. Cansado ou não. Não acordava por nada. Sono profundo, daqueles que nós mortais só temos aos domingos de chuva pela manhã.
Certa vez houve um tiroteio no seu bairro. Vizinhança acordada. Correria. Polícia. No outro dia, a prisão do bandido era a notícia do churrasco de meio-dia. Disseram que o policial atirou no ladrão que estava sobre o telhado da casa do Roger. Ele não ouvira nada. Ficou sabendo pelos outros. Não acordou, tampouco ouviu o tiro. Talvez, para seus ouvidos, durante o sono profundo, um tiro de revólver soasse como uma espoleta de armas de brinquedos.
Em determinada ocasião, ele ficava com uma garota. Nada sério. Ela era comprometida, o que a tornava mais interessante. Uma amizade regada ao bom sexo. Apenas isso. Ela morava com uma amiga, eram colegas de faculdade. Uma mais interessante do que a outra. Queria as duas, mas não obtinha sucesso nas suas constantes investidas. Uma vez ela o visitou. Sexo, bom sexo.
Após o sexo, ele foi ao banheiro. Em silêncio, sem dizer aonde ia. Na volta, passa pela cozinha e traz uma garrafa de água mineral. Volta pro quarto, quieto. Senta na cama, bebe a água. Coloca a garrafa sobre o criado-mudo, um pouco bagunçado. A garrafa foi largada sobre um pacote, fazendo um barulho. Depois, deitou e dormiu. Sem falar nada.
No dia seguinte, ela jurava que ele estava dormindo. Diz ter ficado receosa até, com medo de que ele fosse um sonâmbulo. Não quis acordá-lo, por que à crença popular diz que é perigo fazê-lo. Ele sabia que não estava dormindo, tentou argumentar, mas foi em vão. A universitária teimosa achava que o Roger era sonâmbulo. Contou pra amiga, sobre o sonambulismo. Riam muito. Debochavam. Pois bem, que achassem.
Noutra oportunidade, ele retribuí a visita. Sexo, bom sexo. Depois vai ao banheiro, sem falar nada. De todas as tentativas, de todas as possibilidades, aquela idéia que teve enquanto mijava era a melhor e mais atrevida de todas. Saiu do banheiro, apagou a luz e foi, tateando, em direção ao quarto da amiga. Sabia que não iriam acordá-lo. Teriam medo. A porta estava fechada, mas não trancada. Entrou. Não enxergava absolutamente nada. esperou alguns segundos para dar o primeiro passo. Tentou lembrar onde era a cama da amiga. Hesitou após o primeiro passo. E se ela acordasse ou se ela levasse um susto? Seguiu, mais alguns passos. Não levantava os pés descalços, arrastava-os vagarosamente em direção a cama. Chutou alguma coisa, provavelmente um chinelo. Estava chegando. Com as mãos procura a cama. Não acha. Mais um passo, desse vez com o pé esquerdo. Agora sim, toca o cobertor. A moça se move. Ele não sabe bem o que fazer. Resolve sentar na cama, perto dos pés dela. O coração palpita de forma alucinada. Tenta se acalmar, respira mais devagar. Abre os olhos e fecha os olhos. Não faz diferença. As mãos estão úmidas. Coloca a mão direita sobre os pés dela, que estavam tapados somente com o lençol. Fecha os olhos, talvez com vergonha. Passa a mão nos pés dela. Vestia meia. Sobe, em direção a panturrilha. Sente a pele macia, hidratada e depilada. Ela se move. Ele retira a mão. Ela se move novamente. Silêncio. Ajeita o travesseiro, ergue-se um pouco. Ele percebe que está sendo observado. Já não sabe se pela parceira que teria ficado adormecida e poderia espiar pela porta que ficara entreaberta, ou pela sonolenta que, que parecia tentar entender quem estava aos pés da sua cama de solteira. Arrisca e recoloca a mão no mesmo lugar que havia colocado. A respiração dela já não é profunda, mas ela está imóvel. Ele segue fazendo um carinho. Ela move a perna tocada, encostando o pé na coxa dele. Ele então passa a mão pela canela exposta e segue até o joelho. Ele já não tem dúvidas: ela está acordada. Passeia os dedos pela panturrilha torneada da moça. A perna direta dela está encolhida, em formado de ‘L’. A outra esticada. Ele troca de perna, deixando-a destapada até a altura das coxas. Acaricia com mais vontade, cada vez mais preocupando-se menos com os movimentos. Não restavam dúvidas, ela estava acordada.
Não estava ofegante, já havia relaxado. Precisava agir. Não poderia ficar toda noite ali. O pior já teria passado. Ela o viu, e fingia estar adormecida. Então ajoelha-se no chão, encurva-se sobre ela. Sente o cheiro do hidratante. Encosta os lábios na pele macia. Beija suavemente suas pernas. Passa a língua. Sente sua pele ficar arrepiada. Era o sinal que precisava para avançar. Sobe os beijos acima do joelho. Ela corresponde, permite que ele avance. Sobe as mãos até os quadris, e sente a calcinha de algodão minúscula. Passa a língua pelas coxas, na parte interna. Ela solta um suspiro, quase um gemido. Com as duas mãos a segura pelos quadris. Aproxima-se da calcinha. Sente o cheiro. Gostava do cheiro. Beija, lambe, sobre a calcinha de algodão. Ela estava molhada. Sente o gosto molhado que ultrapassa roupa íntima. Brinca sobre o tecido por alguns minutos. Se estivesse acordada, ela já o teria mandando tirar a calcinha. Mas, ele apenas arreda a calcinha, com a mão direita a parte superior, com a esquerda a parte de baixo. Agora sim, sente o cheiro, o gosto e a maciez. Ela já não escondia o prazer que sentia. Gemia descaradamente. Ficaram assim, até ela gozar. Tempo suficiente para deixá-lo com o maxilar adormecido. Ele colocou a calcinha no lugar. Ela não falou nada. Apenas, cobriu-se com o lençol. Enxugou-se no lençol. Ergue a cabeça. Move o pescoço pra trás, depois pra frente, tal qual aprendeu na ginástica laboral. Para o lado esquerdo, depois para o direito. Foi quando percebeu um vulto, na porta entreaberta. Haviam sido observados. Resolve voltar pra cama.
Algumas coisas são difíceis de se explicar. O que acontecia entre os dois era bom. O que aconteceu entre os três, foi diferente, nunca mais se repetiu. Nenhum dos três ousou tocar no assunto. E a noite foi interminável para o Roger, que dessa vez não conseguia dormir, mas que definitivamente não era um sonâmbulo.

Um comentário:

  1. Eh!!
    Surpreendente!!
    "Como de Costume" envolvente e bem escrito!
    Parabéns!!

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